Frasco de óleo de canabidiol em uma mesa de madeira com fundo vegetal desfocado.

Uso médico do canabidiol no Brasil: legislação e prescrição

Hoje quero conversar com vocês sobre um tema que tem despertado muitas dúvidas entre pais, cuidadores e até mesmo de profissionais da saúde: como funciona o uso médico do canabidiol (CBD) no Brasil.

Nos últimos anos, o CBD deixou de ser um assunto restrito a especialistas e se tornou parte das conversas de famílias que buscam formas seguras de aliviar sintomas de condições como autismo, epilepsia, ansiedade, distúrbios do sono, dores crônicas, demências e doenças neurodegenerativas.

Mas junto com o interesse, surgem também dúvidas — e isso é absolutamente normal. Meu objetivo aqui é explicar de forma clara, acessível e responsável como funcionam as normas e legislações sobre o tema, quando eu prescrevo, e o que você precisa saber para tomar decisões conscientes e seguras sobre os tratamentos com produtos de cannabis.

O que é o canabidiol (CBD)?

O canabidiol é um composto extraído da planta Cannabis com propriedades terapêuticas importantes. Ele isolado ou combinado com outros canabinoides, mas sem a presença de THC (da forma que chamamos de Broad Spectrum) não causa efeitos psicoativos (o famoso “barato”), não provoca dependência e possui um excelente perfil de segurança desde que bem indicado e acompanhado por um médico que saiba manejar produtos de cannabis.

As pesquisas sobre uso medicinal de canabinoides têm uma história longa e bem documentada. Em Israel, os estudos foram iniciados em 1960, conduzidos por grandes nomes da ciência, como o pesquisador Raphael Mechoulam.
Na década de 1970, embora a planta tivesse restrições legais, universidades americanas e laboratórios passaram também a realizar estudos sobre o uso medicinal de produtos de cannabis nos EUA.
Em 1980, pesquisadores americanos identificaram o sistema endocanabinoide — um marco gigantesco na Medicina e na década de 1990, estados como a Califórnia regulamentaram o uso medicinal, impulsionando ainda mais estudos clínicos.
No Canadá e no Reino Unido, as pesquisas, estudos e uso para tratamentos de saúde foram iniciados na década de 90 e aqui no Brasil, tem ganhado força desde o início dos anos 2000.

A pesquisa moderna em cannabis medicinal não é recente e nem experimental e há evidências de benefícios especialmente em:

  • Redução de ansiedade e irritabilidade

  • Melhora do sono

  • Apoio no comportamento e na comunicação de crianças com TEA

  • Diminuição de crises epilépticas de difícil controle

  • Suporte em quadros de dor crônica e espasticidade

  • Melhora no apetite e náuseas em pessoas com câncer durante quimioterapia

  • Suporte à regulação emocional em pessoas com demências (como o Alzheimer).

  • Alívio dos sintomas motores em doenças como o Parkison, Paralisia Cerebral, doenças neurodegenerativas e Esclerose Múltipla

A legislação brasileira: o que a Anvisa permite?

Muitas famílias acreditam que o CBD é proibido — mas isso não é verdade.

Hoje, no Brasil, existem formas legais de acesso:

1. Produtos de cannabis autorizados pela Anvisa (RDC 327/2019)

São produtos industrializados, com controle de qualidade, fabricados por empresas autorizadas e vendidos em farmácias com prescrição médica específica.

2. Importação de produtos à base de cannabis, regulamentados pela RDC 660/2022

  • Essa norma regula a importação de produtos derivados de cannabis para uso terapêutico, feita por pessoas físicas (ou seus responsáveis legais), quando prescritos por um médico habilitado, ou seja: ela permite que pacientes importem, de fora do Brasil, medicamentos ou produtos à base de cannabis para tratar alguma condição de saúde, desde que cumpridas determinadas regras.

  • Para a importação, é necessário que o paciente:
  • Tenha prescrição médica,

  • Faça cadastro no portal da Anvisa,

  • Envie laudos e relatórios realizados pelo médico assistente.

Quem pode prescrever?

Médicos com conhecimento de como manejar produtos de cannabis podem prescrever.

Como pediatra, prescrevo produtos de cannabis principalmente para meus pacientes autistas e com epilepsia quando vejo que ele pode:

  • Melhorar a qualidade de vida da criança e da família

  • Reduzir sofrimento

  • Complementar outras terapias

  • Otimizar ou até mesmo substituir tratamentos tradicionais que estejam causando muitos efeitos colaterais ou que não estejam apresentando resultados satisfatórios.

Sempre reforço aos pais que não existe tratamento seguro sem acompanhamento médico regular.

O que avalio antes de prescrever CBD

Quando converso com uma família que deseja entender se o CBD é uma opção, eu analiso:

  • Histórico clínico completo
  • Sintomas atuais (como está o sono, comportamento, irritabilidade, convulsões, alimentação e outras condições)
  • Diagnósticos prévios (TEA, TDAH, epilepsia, ansiedade, atrasos no neurodesenvolvimento)
  • Uso atual de medicamentos e tratamentos já realizados previamente
  • Riscos, benefícios e alternativas
  • Qualidade do produto e concentração adequada

Cada caso é único. A mesma dose que funciona para uma criança pode ser totalmente inadequada para outra e por isso não basta prescrever – é necessário acompanhar de perto.

Como funciona a prescrição na prática

A prescrição é feita em três etapas:

1. Consulta e avaliação completa

Conversamos sobre sintomas, rotina, terapias, expectativas e metas realistas.

2. Escolha do produto

Levando todo o histórico do paciente em consideração, decido:

  • Qual a concentração de CBD, outros canabinóides e terpenos que podem auxiliar no quadro clínico do paciente.

  • Forma de uso (para crianças o uso deve ser predominantemente por via oral ou tópica em casos específicos de lesões ou condições dermatológicas)

  • Quais são os produtos mais confiáveis, seguros e indicados para cada quadro.

3. Acompanhamento contínuo

Após iniciar o tratamento, realizamos retornos semanais, quinzenais ou mensais para ajustar dose, observar efeitos, garantir segurança e buscar que o melhor potencial terapêutico seja atingido.

A maioria das crianças melhora gradualmente nas primeiras duas a seis semanas, especialmente em:

  • Qualidade do sono

  • Irritabilidade

  • Crises sensoriais

  • Explosões emocionais

  • Atenção

  • Interação social

Produtos de Cannabis não são “cura”, mas podem transformar qualidade de vida

O uso médico desses produtos é considerado compassivo (quando tratamentos convencionais não obtiveram os resultados esperados e desejados),  não substitui terapias essenciais (como fonoaudiologia, psicoterapia, integração sensorial, psicopedagogia, etc) e tratamentos farmacológicos considerados de primeira linha.

Mas, quando bem indicado, ele reduz barreiras que impedem a criança de aproveitar melhor essas intervenções.

Muitos pais relatam:

  • Noites mais tranquilas

  • Crises reduzidas

  • Melhora no olhar

  • Mais conexão e presença

  • Menos irritação

  • Avanços na linguagem e na interação social

E isso faz uma grande diferença na rotina de todos que convivem com o paciente.

Segurança: o que os pais precisam saber

Produtos de Cannabis tem excelente perfil de segurança, mas precisam ser usado de forma responsável.

Pontos importantes:

  • Nunca compre produtos sem receita ou sem registro.

  • Doses devem ser ajustadas de forma individual.

  • Tratamentos caseiros ou por indicação de terceiros podem ser perigosos.

  • Sempre converse com o médico antes de usar junto com outros medicamentos.

Conclusão

O canabidiol, quando prescrito corretamente e dentro das normas da Anvisa, é uma ferramenta médica moderna, eficaz e segura.

Meu papel como pediatra é guiar sua família com responsabilidade, oferecendo informação clara para que possamos juntos construir o melhor caminho para o bem-estar da criança.

Se você deseja avaliar se o CBD pode ajudar seu filho, será um prazer te acompanhar nessa jornada.

Referências

Resolução sobre produtos de Cannabis 

RDC nº 660/2022 — Regras para importação excepcional de produtos à base de cannabis

Dra. Isabelle Faria Tiburcio
CRM/SP 177388 • RQE 128764

Posts relacionados

Criança pequena andando na ponta dos pés dentro de casa
Andar na ponta dos pés: quando investigar?

Andar na ponta dos pés pode ser normal, mas às vezes requer investigação....

Entenda quando os atrasos na fala, coordenação motora ou interação social podem indicar algo sobre o neurodesenvolvimento
Marcos do desenvolvimento: sinais de atraso na fala e social

Marcos do desenvolvimento: saiba quando atrasos na fala, coordenação ou interação social merecem...