Entenda quando os atrasos na fala, coordenação motora ou interação social podem indicar algo sobre o neurodesenvolvimento

Marcos do desenvolvimento: sinais de atraso na fala e social

Quando um bebê nasce, é natural que os pais e cuidadores observem cada pequeno avanço de seus filhos com um misto de orgulho e ansiedade. O primeiro sorriso, o momento em que senta sozinho, as sílabas iniciais… Cada uma dessas conquistas, além de trazer alegria para a família, é também um marco do desenvolvimento, um sinal de que o neurodesenvolvimento infantil está seguindo seu curso esperado.

Mas e quando uma dessas conquistas demora mais do que o esperado para aparecer? Quando a preocupação com um atraso na fala, na coordenação motora ou na interação social é justificada?

Como médica e pediatra, meu objetivo neste artigo é ser sua guia. Vamos descomplicar os principais marcos e oferecer um norte claro sobre quando é hora de buscar uma avaliação especializada.

O que é Neurodesenvolvimento Infantil e Por Que Ele é Tão Importante?

neurodesenvolvimento infantil é o processo complexo e contínuo de maturação do sistema nervoso central da criança. É ele que permite o desenvolvimento de habilidades físicas, cognitivas, emocionais e sociais.

Pense no cérebro da criança como uma grande rede de estradas sendo construída. Os marcos do desenvolvimento são como os principais cruzamentos e avenidas que precisam ser finalizados no tempo certo para que o tráfego (o aprendizado e as interações) flua sem problemas.

Marcos Principais: O Que Observar em Cada Fase

É importante lembrar que pequenas variações podem ocorrer. No entanto, a ausência persistente de certas habilidades merece atenção.

1. Marcos de Interação Social e Comunicação

  • 2 a 4 meses: Nessa faixa de idade, é possível observar o início do vínculo afetivo com a família – o bebê já reconhece a voz da mãe, fixa o olhar no rosto, procura o cuidador com os olhos e sorri socialmente.
  • Por volta de 6 meses: o bebê já balbucia sons repetitivos, localiza sons lateralmente, reconhece os cuidadores, expressa alegria ou desconforto, responde a estímulos sociais, brincadeiras e músicas.

  • Por volta de 9 meses: Troca de sons e gestos com você, como imitar um “tchau”. Nessa fase, a criança já entende o que é o “Não”, começa a estranhar desconhecidos e procura mais interação.

  • Por volta de 1 ano: Usa gestos como apontar para o que quer, tem interações sociais intencionais, leva objetos até os adultos para mostrar.

  • Entre 1 ano e meio e 2 anos: Mostra interesse por outras crianças, inicia as brincadeiras de “faz de conta”.

2. Marcos da Linguagem e Fala

Os marcos de linguagem, fala e comunicação são muito importantes e é frequente que surjam muitas dúvidas relacionadas a eles.

  • Entre 6 a 9 meses: é esperado que  balbucio já esteja mais variado.
  • 9-12 meses: fala de 1 a 3 palavras (mamá, papá, dá) e entende ordens simples.
  • Por volta de 1 ano: Diz “mamãe” ou “papai” com significado, fala aproximadamente 5 palavras funcionais, atende a comandos simples (“dá tchau”), aponta para expressar desejo de algo.

  • Por volta de 18 meses: Amplia o vocabulário (20-50 palavras),  aponta para partes do corpo quando perguntado.

  • Por volta de 2 anos: Combina duas palavras funcionalmente (“quer água”, “papá foi”).

  • Por volta de 3 anos: Forma frases simples e a maioria do que diz é compreensível por estranhos.

3. Marcos da Coordenação Motora (Ampla e Fina)

Envolve desde correr até segurar um lápis.

  • 3 a 6 meses: Sustenta a cabeça

  • Por volta de 6 meses: Rola na cama, leva objetos à boca, coordena as mãos, senta sem apoio, pega objetos com “pinça grosseira”.

  • 9-12 meses: fica de pé com apoio ou sozinho, usa pinça fina (polegar + indicador)
  • Por volta de 1 ano: Fica de pé com apoio, pode dar os primeiros passos, explora o ambiente, empurra e puxa brinquedos.

  • Por volta de 2 anos: chuta uma bola, corre, sobe degraus com apoio, vira as páginas de livros/revistas, rabisca papéis com canetas, lápis, giz de cera e canetinhas.

  • Por volta de 3 anos: Consegue empilhar blocos, corre bem, vira a maçaneta de uma porta, salta, pedala em triciclo

 

Sinais de Alerta: Quando a Busca por um Especialista é Recomendada

Agora, vamos ao cerne da questão. A preocupação se torna mais séria quando notamos a ausência de marcos fundamentais. Este não é um diagnóstico, mas um guia de quando procurar avaliação.

Procure um pediatra ou um neuropediatra se, por volta dos 2 anos, a criança:

  • Fala: Não forma frases com duas palavras (“quer água”, “papá foi”).

  • Interação Social: Não aponta para mostrar interesse, não responde quando chamada pelo nome, não faz contato visual.

  • Imitação: Não imita ações ou palavras simples.

  • Coordenação: Tem extrema dificuldade para subir escadas ou segurar um lápis de cera.

  • Brincadeiras: Não participa de brincadeiras simbólicas (como “fazer comidinha” para a boneca).

  • Perda de Habilidades: Este é um ponto crítico. Se a criança regredir, perdendo qualquer habilidade que já teve, a avaliação é urgente.

 

Por Que uma Avaliação Precoce do Neurodesenvolvimento é Fundamental?

Muitos pais ouvem que “cada um tem seu tempo” e, embora essa seja uma verdade relativa, ela não deve servir para ignorar sinais claros de alerta. A intervenção precoce é a ferramenta mais poderosa que temos.

Identificar desafios no neurodesenvolvimento cedo permite iniciar terapias (como fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional ou psicologia) no momento de maior plasticidade cerebral da criança. Isso significa que os resultados são potencializados, ajudando a criança a superar suas dificuldades e a alcançar seu pleno potencial.

Meu Papel Como Médica: Acolher, Avaliar e Orientar

Se você está lendo este artigo e seu coração apertou, reconhecendo alguns desses sinais no seu filho, quero que saiba: você não está sozinho.

Minha função, no consultório, é:

  1. Acolher suas preocupações sem julgamento.

  2. Avaliar a criança de forma global e detalhada, considerando toda a sua história e ambiente.

  3. Orientar o caminho mais adequado, seja apenas acompanhamento, seja o encaminhamento para terapias específicas.

A observação atenta dos pais é o primeiro e mais importante passo. Confie no seu instinto. Se algo lhe disser que o desenvolvimento do seu filho não está seguindo o fluxo esperado, buscar informação e uma opinião especializada é o melhor a se fazer.

A jornada do desenvolvimento infantil é única para cada criança. Mas você não precisa percorrê-la com dúvidas.

Dra. Isabelle Faria Tiburcio
CRM/SP 177388 • RQE 128764

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